segunda-feira, 27 de outubro de 2008

sexta-feira, 10 de outubro de 2008



Escrito por Paula Cajaty



13-Jun-2008
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- Emmer, Denise. Lampadário. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008.



A poesia contida em Lampadário é de uma lírica amarga que remete à solenidade dos cantos clássicos. Em suas palavras, vertigens de beleza e mistérios, miragens nos horizontes do som.
Denise revisita a morte, o amor, a música, em versos ritmados e preciosos, em metáforas de tom melancólico e maduro que cria um rico imaginário, remetendo-nos a um outro tempo, uma dimensão paralela e surreal.
Seus poemas falam de um desamparo tangível, uma espécie de solidão palpável e presente, em contraposição ao ímpeto desejo de acolhimento que sabe não existir. Prova, portanto, a coexistência de fragilidade e força, sensibilidade e resignação, suavidade e resistência, num mundo que remexe as tristezas mais fundas e abre feridas que anestesiamos, mas não se curam jamais.
Uma surpresa agradável aparece em 'Baladas para um fantasma' e 'A lenda', histórias contadas em forma poética, enquanto 'Dicionário da língua bela' reinventa significados e significâncias, num jogo de simbolismos e sensações.
Denise Emmer exibe sua poesia competente e, à semelhança do violoncelo, mostra que revela e extrai com o arco de seu íntimo, as notas mais graves e belas da literatura.

domingo, 5 de outubro de 2008

AGUARRÁS

Lampadário

Em Lampadário, a poeta carioca Denise Emmer, faz uma sinfonia abordando temas diversos. São poemas reluzentes. Ela, sem dúvida, usa a língua portuguesa a seu favor. Transforma luz em verbo, e faz dele poesia. As sensações que trazem, permanecem no leitor. Se a luz tem som, os sons são parecidos com estes poemas.
A poetisa explora a palavra e a transforma, utilizando uma linguagem carregada de símbolos. Ela não faz poesia abordando temas comuns - como morte, solidão, amor, perda, esperança -, faz poesia quando transpõe um sentimento para o papel.
Um dos poemas, “Dicionário da Língua Bela” - VI, descreve muito bem seu trabalho neste livro:
Dê-me a palavra que invento um bosque
Pleno de repousos e grandes baobás
Sopre-me o verbo que verso o mote
Viagem sem norte vento de além mar
Provavelmente por sua experiência na música, a sonoridade de seus poemas é marcante. E como o trovão antes do raio, o som vem antes da luz neste livro também.
Denise Emmer, filha dos escritores Dias Gomes e Janete Clair, possui uma extensa produção artística. Além de poetisa, é ficcionista, graduada em Física e Música - violoncelo - e também cantora, compositora e instrumentista. Já ganhou diversos prêmios por sua obra literária. Lampadário é o seu décimo quarto livro.
Publicado pela 7 letras este ano, Lampadário é composto por 42 poemas, tem uma bela capa de Mariana Avillez e prefácio do poeta e editor Alexei Bueno, que também colabora com vários mecanismos de imprensa.



Jarcélen Ribeiro é Mestranda em Estudos de Literatura, PUC-Rio. Bolsista do CNPq.


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editoria: edicao_0014, literatura, em 11/8/2008

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

PREFÁCIO - Lampadário

PREFÁCIO




A estesia dos poemas de Lampadário _ e essa palavra, estesia, é aqui importante _ possui, como acontece com tudo que se refere à arte, a sua própria genealogia, essa rede sutil de afinidades eletivas, essa espécie de “ar de família” que nos permite classificar todas as expressões humanas em certas postulações fundamentais, às vezes antagônicas, comumente complementares. A poesia de Denise Emmer possui uma inegável raiz simbolista e é mais do que próxima daquilo que se resolveu chamar “poesia pura”, essa mesma poésie pure que teve no Simbolismo, diga-se de passagem, sua origem evidente. A palavra-título do livro, aliás, faz parte, sem dúvida, dos territórios semânticos que costumamos julgar simbolistas, o que, por outro lado, não tem a menor importância.

A expressividade oriunda diretamente da música verbal, o afastamento do anedótico, do narrativo, mesmo quando um tema é perceptível, dominam todo o livro. Esse fluxo da música dos versos e esse afastamento do discurso denotativo conduzem comumente a poesia neles baseada a um estado sui generis de consciência _ onde a participação do que está abaixo ou acima do pensamento racional aflora _ e que nos conduz muitas vezes quase ao âmago do fenômeno poético. A família estética de Denise Emmer é, portanto, na língua portuguesa, a que, com imemoriais origens nos Cancioneiros, parte do genial Camilo Pessanha, passa pelo Fernando Pessoa-ele mesmo, por um Mário de Sá-Carneiro e por um Cabral do Nascimento, chegando à nossa contemporaneidade em variados momentos da obra de Sophia de Mello Breyner ou de Eugénio de Andrade, a mesma família que, no Brasil, floresceu em Cruz e Sousa e atingiu seu apogeu, no século XX, na imensa obra de Cecília Meireles.

Uma das percepções centrais que, podemos dizer, deram origem aos poemas de Lampadário, é aquela implacável impressão de brevidade da vida que se impõe a todos os homens pensantes _ e com dobrada força aos artistas _ na passagem desse já recuado mezzo del camin di nostra vita que é a década dos quarenta anos. O poema que dá título livro, de uma perfeição notável, retoma, mantendo-se de todo pessoal, o tema do ubi sunt que nos vem dos gregos, atinge de forma inolvidável um François Villon, e chega até nós neste momento, nós “contemporâneos”, como o foram todos os homens que andaram sobre a terra, todos envolvidos nas inarredáveis interrogações que nos assaltam:

.......................................
Onde estarão os antigos
Antepassados, os tios,
As asas do irmão sombrio
Tudo é poeira e palavra

Haverá além do nada
Um povoado abstrato?
.....................................
Pela centralidade desse tema, Lampadário se afasta completamente de toda a vertente lúdica, piadista, escamoteadora da morte que se implantou na poesia brasileira, com notável sobrevivência, a partir do compreensível trabalho de solapamento do primeiro Modernismo, para atingir seu ápice no banimento de todo pathos e de toda angústia patrocinado pelas vanguardas da década de 1950 e nesse fenômeno sociológico, não estético, que foi batizado como poesia marginal. A negação da questão morte _ fonte incontornável da filosofia, da arte e do pensamento religioso _ é, diga-se de passagem, apanágio de alguns específicos tipos humanos, os covardes, os idiotas, os frívolos, ou a mistura de todos eles. Ou, como diria Guimarães Rosa, tipos muito “incompletos”. Tal tema, nos poema do presente livro, não se resume, aliás, à figura do homem. Como escreveu Drummond, em seu magistral “Morte das casas de Ouro Preto”:


Não basta ver morte de homem
para conhecê-la bem.
Mil mortes brotam em nós,
à nossa roda, no chão.
.................................................


Da mesma maneira, Denise Emmer, partindo da morte geral do poema-título acima mencionado, passa pela morte do amigo, em “A pedra sem nome”, para chegar aos extremos da morte do pai, no poderoso “O amanhecer da terra”, e do desaparecimento de um simples animal, um gato, em “Fecho teus olhos”. De fato, aquilo que muitos denominaram o “escândalo da morte” não se limita absolutamente ao ser humano. Demasiadamente humano, no entanto, é o tema do impressionante “Mulheres que enterram filhos”, dos mais metaforicamente ricos do livro, tratando do que podemos chamar de morte em ordem inversa. “Muitos perdi me ensinaram”, disse Carlos Drummond de Andrade no poema citado. É esse verbo no passado, esse “perdi”, que se revela, sem dúvida, uma das formas de abrasão, de erosão, que agem sobre o eu lírico no extraordinário poema que fecha o livro, “Escultura”, com um tema que, no fundo, é o mesmo do pessimista “No alto”, do Machado de Assis de Ocidentais:
Esculpe-me o mundo
Esculpe-me
Como se
A uma pedra
Cada vez
Mas ponta
E fria
Cada vez
Mais lança
E funda

Aponta-me o mundo
Aponta-me
Como se
A um lápis
Fino
Cada vez
Mais cego
E cínico
Como
A escrita
De um sangue.


É de notar-se, nesses versos curtos de cortes precisos, como o que os leva a ser curtos e o que determina os cortes violentos é a absoluta necessidade expressiva do poema, em sua riqueza metafórica e sonora, nunca o maneirismo de terminar versos em partes átonas da frase, sem função alguma, que dominou muito da poesia brasileira a partir da década de 1970.

Livro fundado sobre os temas primordiais _ o amor, a morte, o tempo, o sonho _, há, igualmente, uma disseminada presença da natureza em Lampadário, com destaque para a celeste e ainda mais para a marinha, o que nos faz aproximar a autora das já lembradas Cecília Meireles e Sophia de Mello Breyner. A estesia dos poemas de Denise Emmer brota sempre da musicalidade intrínseca _ e falamos de uma poeta que é também música _, não a musicalidade fácil dos ritmos cantantes, mas aquela outra, estrutural e estruturadora, imponderável, inexplicável, que separa a poesia dos outros gêneros literários. Essa região de mistério _ causa de tradicional horror ao fetichismo da objetividade que domina boa parte da alma nacional _ é o sanctus sanctorum do fenômeno poético, onde só os poetas, não os versejadores, penetram, e de onde nos trouxe a autora os poemas que aqui se encontram.

Alexei Bueno

quarta-feira, 1 de outubro de 2008


O MISTÉRIO E O ESPANTO DA POESIA

JORNAL DO COMMÉRCIO
Por Frederico Gomes

A poesia de Denise Emmer, sobretudo depois deste seu último volume Lampadário (Editora 7Letras, 2008), pode ser tida como um exemplo de obra que, mesmo antes do julgamento implacável do tempo histórico, irá se inscrever no cânone dos grandes poetas brasileiros. São poucos os autores dos quais podemos fazer tal ilação extemporânea, afirmando-a a partir, não da subjetividade do gosto, mas da análise do conjunto da própria obra em questão. Neste sentido, basta consultarmos o que sobre sua obra escreveram alguns dos mais notáveis críticos e poetas brasileiros contemporâneos.
O seu telurismo semântico e/ou poético atávico – ou seja, sua arraigada identificação com os símbolos e signos da linguagem, assim como a da árvore ao solo em que finca suas raízes –, perceptível desde os primeiros poemas de Lampadário, é o que torna a sua palavra poética, a um só tempo propiciatória e soberana, tradicional e transformadora, velada e desvelada, como um instrumento de aproximação demasiado humano do mistério e do espanto da própria vida – sem querer dizer tudo ou mais que o preciso, pois, segundo suas próprias palavras em “A carta”, poema que abre o volume: “... o dizer tudo é dizer nada [...] ... o dizer mais é dizer findo.”
Sem dizer tudo ou mais que o necessário, Denise Emmer nos diz o essencial, aquilo que, nada nos explicando, aflora no horizonte da linguagem como “algo” decifrador da essência humana, pois a explicação – como já afirmou Heidegger – pensa “mecanicamente”, e não no horizonte da linguagem. Ou como nos diz um dos versos de “A lenda”: “O horizonte mostra uma legenda.” É, a nosso ver, precisamente aí, nessa perspectiva transcendental, que se realiza toda a fenomenologia do poético, já que desde o logos do pensamento pré-socrático a sacralidade é definidora, em última instância, da própria poesia – basta revirarmos os olhos para a história do Ocidente: Virgílio, Dante, Hördelin, Rilke e tantos outros.
Sem abrir mão modernamente da imanência sagrada da linguagem poética, Denise Emmer, assim como um Cruz e Sousa ou uma Cecília Meireles, capta-a ao nível da linguagem mesma da poesia: seja pela musicalidade ou pela plasticidade de suas imagens. Resumindo: seus poemas conseguem nos transmitir tanto a harmonia de um canto gregoriano como o rigor colorístico da profissão de fé de Paul Cézanne. A presença do sagrado em seus poemas não se restringe, portanto, a uma temática especificamente religiosa – ao contrário, ela imana do próprio mundo, da natureza, da vida. No terceiro poema metalingüístico de “Dicionário da língua bela”, ela escreve, confirmando tudo o que dissemos acima: “Das rochas escuto rimas / Deixo que passem pássaros / As palavras as vertigens / Não me aproprio ainda / Do seu imprevisto canto / Escalo a página em branco”.
Sendo, além de poetisa, romancista e musicista, uma aficcionada do alpinismo (Memórias da montanha é um relato memorialístico sobre o tema publicado pela Ediouro em 2006), o último verso citado acima – “Escalo a página em branco” – pode ser lido como uma sucinta definição do seu processo criativo. Afinal, uma das metáforas sobre a poesia não pode ser também a de deparar-se com o mistério da montanha e com o espanto de escalá-la?

Frederico Gomes é poeta e tradutor
( Jornal do Commércio -RJ)


Opiniões :

LAMPADÁRIO é sem dúvida o melhor livro de Denise Emmer por uma série de razões: invenção imagística, limpeza de linguagem, austeridade emocional, magia verbal, coesão temática, domínio formal e, acima de tudo, surpresa, aquela surpresa sem a qual, como ensinava Poe, não há obra de arte. (...) Há nele versos admiráveis e surpreendentes que há muito não leio em nossa poesia, cada vez mais anódina e antisséptica. " Sou a lanterna do cão sem olhos". Enfim, Denise retorna a poesia com uma força extraordinária, fiél a si mesma a às suas raízes simbolistas.
(...) Um livro admirável, verdadeiro, repleto de dor e de beleza, dessa beleza lírica de que os homens se esqueceram e que, em sua brevidade, é a estrela guia de todo autêntico poeta.


Ivan Junqueira

LAMPADÁRIO - O novo livro de Denise Emmer - Caderno PROSA&VERSO


LAMPADÁRIO


Por Alexandre Bonafim


Há poetas que, no ardor de sua sincera vocação, entregam-se, sem receios, à aventura de sua escrita, fazendo da palavra aguda lâmina a vincar a vida. Para esses autores, escrever é um ato de ousadia, um perpétuo perigo, uma aventura na iminência constante dos desastres. Nesse sentido, para tais artistas, poesia jamais poderia ser piada, rascunho do banal, jogo lúdico de palavras ocas. A verdadeira poesia, de acordo com o código criativo desses poetas, é um comprometimento com o mais fundo e fatal que há no homem, é fuga em direção aos abismos, ao mistério fecundo de nossa condição. A essa categoria de escritores pertence Denise Emmer.Denise, em seu último livro, “Lampadário”, resgata, conforme Alexei Bueno, a alta música dos simbolistas. Com efeito, é válido lembrar os ensinamentos de Hugo Friedrich, em seu importante livro “A estrutura da lírica moderna”. Friedrich, ao analisar a obra de três grandes poetas franceses, Baudelaire, Rimbaud e Mallarmé, delineia o que seria a essência, as características fundamentais da poesia da modernidade. E, nesse sentido, constatamos pelas palavras de Friedrich que o moderno é indissociável do simbolismo, estética que ainda irriga a poesia do Ocidente, brindando-nos com obras de fecundo legado espiritual e estético. A poesia de Emmer está, portanto, imbuída pela espiritualidade simbolista. Daí a predileção, por parte da autora, pelos temas metafísicos, com os quais muito da melhor poesia se constrói. E, nesse sentido, ganhará contundência na obra da poeta carioca o tema da morte. A partir de suas reflexões sobre a morte (a poesia de Emmer não poderia deixar ser reflexiva, justamente por se tratar de uma escrita a tanger a filosofia), a poeta nos brinda com obras primas, tais como esse poema, cujo título é o do livro:
Minha mãe anda distante/Meu pai a leva nos braços/Avisto lençóis no espaço/Os avós já vão mais longe/Viajam todos num barco/Levados por um ciclone/Transitam vias sem nome/Que desembocam no frio/Onde estarão os antigos/Antepassados, os tios/As asas do irmão sombrio/Tudo é poeira e palavra/Haverá além do nada/Um povoado abstrato?/Já não me bastam retratos/Se não me cabe o silêncio.
Alexandre Bonafim é poeta e doutorando em literatura portguesa na USP
Opiniões:
(...)Na lição de uma arte poética pura e segura eleva-se uma voz inconfundível, a de Denise Emmer. Ao mesmo tempo magoada e confiante,ela celebra a beleza e a dor do amor.
Lêdo Ivo
Opiniões:
Belo desde o título e as sugestões nele contidos, que apontam para múltiplas considerações de ordem existencial e remetem a outras de cunho literário.
Mas é o ritmo. A emoção do ritmo que dá a Lampadário a altura em que é soberano. O livro tem essa pureza das coisas altas (...)
E aí estão reunidos dando ao livro a precisão do corte e a verbalização desses belos poemas.
Marco Luchesi
Em versos centrados no ritmo da redondilha maior, a autora delineia metáforas de grande expressividade, com as quais, de forma negativa, expressa a vacuidade da nossa finitude: “ciclone”, “lençóis”, “ruas sem nome”, são imagens que esboçam , pela concretude de suas imagens, a abstração do nada. A redondilha, num símile à palavra ciclone, gira, vertiginosamente as palavras, num sorvedouro de ausências. Todo esse fluxo encerra-se, de forma lapidar, nos exemplares versos finais, contundentes, agudos, a funcionarem como um clímax, um fecho de ouro: “Já não me bastam retratos/ Se não me cabe o silêncio”. Também a partir da temática da morte, a autora talhou um dos poemas de grande perfeição de seu livro, o comovente “Mulheres que enterram filhos”:

Mulheres que enterram filhos
Invertem o curso dos rios

Deságuam o mar em regatos
Antecedem o fim do ato

Tratados de sóis contrários
O trovão antes do raio

São estrelas que se afundam
Big-Bang depois do mundo

Maçãs retornando à árvore
Tropeços da gravidade

Vulcões de tempero frio
Horizontes em desvio

Avesso do negativo
Padecer sem ter nascido

- Mulheres que enterram filhos –

Se alvo de velhas vingas
Se pacto de suicidas

Instauram o não previsto
E deixam pequenos cristos.