quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O MISTÉRIO E O ESPANTO DA POESIA

JORNAL DO COMMÉRCIO
Por Frederico Gomes

A poesia de Denise Emmer, sobretudo depois deste seu último volume Lampadário (Editora 7Letras, 2008), pode ser tida como um exemplo de obra que, mesmo antes do julgamento implacável do tempo histórico, irá se inscrever no cânone dos grandes poetas brasileiros. São poucos os autores dos quais podemos fazer tal ilação extemporânea, afirmando-a a partir, não da subjetividade do gosto, mas da análise do conjunto da própria obra em questão. Neste sentido, basta consultarmos o que sobre sua obra escreveram alguns dos mais notáveis críticos e poetas brasileiros contemporâneos.
O seu telurismo semântico e/ou poético atávico – ou seja, sua arraigada identificação com os símbolos e signos da linguagem, assim como a da árvore ao solo em que finca suas raízes –, perceptível desde os primeiros poemas de Lampadário, é o que torna a sua palavra poética, a um só tempo propiciatória e soberana, tradicional e transformadora, velada e desvelada, como um instrumento de aproximação demasiado humano do mistério e do espanto da própria vida – sem querer dizer tudo ou mais que o preciso, pois, segundo suas próprias palavras em “A carta”, poema que abre o volume: “... o dizer tudo é dizer nada [...] ... o dizer mais é dizer findo.”
Sem dizer tudo ou mais que o necessário, Denise Emmer nos diz o essencial, aquilo que, nada nos explicando, aflora no horizonte da linguagem como “algo” decifrador da essência humana, pois a explicação – como já afirmou Heidegger – pensa “mecanicamente”, e não no horizonte da linguagem. Ou como nos diz um dos versos de “A lenda”: “O horizonte mostra uma legenda.” É, a nosso ver, precisamente aí, nessa perspectiva transcendental, que se realiza toda a fenomenologia do poético, já que desde o logos do pensamento pré-socrático a sacralidade é definidora, em última instância, da própria poesia – basta revirarmos os olhos para a história do Ocidente: Virgílio, Dante, Hördelin, Rilke e tantos outros.
Sem abrir mão modernamente da imanência sagrada da linguagem poética, Denise Emmer, assim como um Cruz e Sousa ou uma Cecília Meireles, capta-a ao nível da linguagem mesma da poesia: seja pela musicalidade ou pela plasticidade de suas imagens. Resumindo: seus poemas conseguem nos transmitir tanto a harmonia de um canto gregoriano como o rigor colorístico da profissão de fé de Paul Cézanne. A presença do sagrado em seus poemas não se restringe, portanto, a uma temática especificamente religiosa – ao contrário, ela imana do próprio mundo, da natureza, da vida. No terceiro poema metalingüístico de “Dicionário da língua bela”, ela escreve, confirmando tudo o que dissemos acima: “Das rochas escuto rimas / Deixo que passem pássaros / As palavras as vertigens / Não me aproprio ainda / Do seu imprevisto canto / Escalo a página em branco”.
Sendo, além de poetisa, romancista e musicista, uma aficcionada do alpinismo (Memórias da montanha é um relato memorialístico sobre o tema publicado pela Ediouro em 2006), o último verso citado acima – “Escalo a página em branco” – pode ser lido como uma sucinta definição do seu processo criativo. Afinal, uma das metáforas sobre a poesia não pode ser também a de deparar-se com o mistério da montanha e com o espanto de escalá-la?

Frederico Gomes é poeta e tradutor
( Jornal do Commércio -RJ)


Opiniões :

LAMPADÁRIO é sem dúvida o melhor livro de Denise Emmer por uma série de razões: invenção imagística, limpeza de linguagem, austeridade emocional, magia verbal, coesão temática, domínio formal e, acima de tudo, surpresa, aquela surpresa sem a qual, como ensinava Poe, não há obra de arte. (...) Há nele versos admiráveis e surpreendentes que há muito não leio em nossa poesia, cada vez mais anódina e antisséptica. " Sou a lanterna do cão sem olhos". Enfim, Denise retorna a poesia com uma força extraordinária, fiél a si mesma a às suas raízes simbolistas.
(...) Um livro admirável, verdadeiro, repleto de dor e de beleza, dessa beleza lírica de que os homens se esqueceram e que, em sua brevidade, é a estrela guia de todo autêntico poeta.


Ivan Junqueira

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