sábado, 26 de dezembro de 2009

quinta-feira, 26 de novembro de 2009


NAVIOS

Venho ao cais esperar navios
Sucedem-se as altas vagas
Aceno sinais de estio
Às vesperas adiadas

Te aguardo e quando te espreito
Arrastam-se os segundos
O vento esticou o mundo
Nos cárceres dos estaleiro

Passam veios, horas largas
Nenhum sinal de teu fardo
Busco-te a cada entrada
O que me passas - passado.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009




O BEIJO



Levou-me sem feitas frases

Somente passo e camisa

Roubou-me um beijo de brisa

Na quadratura da tarde



Jogou-me contra a parede

Rasgou-me a blusa de linho

Roubou-me um beijo de vinho

Diante das aves vesgas



Puxou-me para seu fundo

Rompeu a rosa pirâmide

Roubou-me um beijo de sangue

E bateu asas no mundo.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009


Sátiro cavalo antigo

Sigo contigo

A dor das águas

Leva-me à estrada

Das mães de Luca

O mundo chora

Por minha culpa


Matei um rio

De imensas mágoas

Lancei palavras

Contra princípios

A flor do risco

Plantei nas casas

De madrugada

De bala em bala.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009


LIVRO DOS SERES

LUZ

Se a luz
de uma estrela morta
só agora
nos responde
porque não somos
a luz
de um tempo
de não sei onde?

Que mundo é esse
o real
que temos
à nossa frente
seríamos o passado
que retorna
simplesmente?

Ou então
só a lembrança
engano, repetição...

estaríamos sonhando
ou seríamos ilusão?

domingo, 4 de outubro de 2009

AMARES

Dize-me.
Toca pra mim
Quando sonhares
Canta
E chora
Teus trovares

Fala-me.
Vem pra mim
Quando me olhares
Vem
E fala
Teus chorares

Pede-me.
Voa pra mim
Quando me amares
Voa
E abre
Teus pomares.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009



foto Assis Melo

DICIONÁRIO DA LÍNGUA BELA


- I -

Estrelas de azul vertigem
Nada me dizem falam de si
Maior abismo cava-se aqui

- II -

Amor amor
Viestes vazio
Nada me luz
Nada me cio
Já não me entregas teu rio

Ontem selvagem
hoje sombrio
O que me trazes
Jornal da tarde
Secas folhagens
- horas de estio.



- III -





Das rochas escuto rimas
Deixo que passem pássaros
As palavras as vertigens
Não me aproprio ainda
Do seu imprevisto canto
Escalo a página em branco.




- IV -


O que será a noite noite cheia
Céu que incendeia e nada clara
Nada me fala se não senões
Astros borrões rostos distantes
Quasar pulsante - de nada sei.





terça-feira, 28 de julho de 2009


foto Assis Mello

Dê-me a palavra que invento um bosque

Pleno de repousos e grandes baobás

Sopre-me o verbo que verso o mote

Viagem sem norte vento de além mar.




terça-feira, 14 de julho de 2009


foto Assis Melo
O SILÊNCIO DO AMOR

Tenho em mim muitas palavras que não me dissestes ainda
Porquanto espero em vida as frases por ti guardadas

São sílabas sussurradas de páginas esperadas
Pois que se invento enrêdos é porque não me dizes nada

E foi enquanto me amavas a caravela piava
E uma aurora cantava versões de vozes ventadas

E outras mais que escutava os surdos da madrugada
Só tu não dizias nada e nada me perguntavas

Na hora em que me beijavas teus olhos por onde andavam?
Teus pensamentos e sonhos em que verões viajavam?

Se amou sem qualquer palavra é porque em mim não morava
Mas em furtivas ilhargas, deserto de sua lavra.

quinta-feira, 2 de julho de 2009


foto Assis Melo

IMAGINO


Imagino línguas de cães em meu vestido
Tocas meu corpo como se quebrasse um vidro
Lençóis da noite são as águas quentes
Que provocas com um beijo simplesmente

Imagino sombras secretas sobre um muro
Quando me abraças contra o portão escuro
A rara alfombra nos cobre de inverno
E eis que alcanço a glória do inferno.

segunda-feira, 22 de junho de 2009


NOITE MAGA

Andei contigo nas dunas
Nas páginas das areias
Pensei avistar sereias
Mas eram sóbrias escunas

E ao perguntar quem eras
O mar moveu seus navios
Olharam-me as éguas no cio
Voaram fêmeas sem sela

Enquanto me assombravas
Os sais trocavam segredos
Abraçava-me com medo
Torpor, o que me falavas

Então comecei morrer
Por tua mão de veludo
Que me levava entre surdos
No tênue amanhecer

Desmanches de beijo e vício
Aroma de folha e chuva
Teu sorriso atrás da curva
Na ponta do precipício

Longe vai a noite maga
Em seu palácio estranho
Não te decifro és sonho
A povoar minhas águas.

sábado, 6 de junho de 2009


PROSA CANORA
foto Assis Melo

Meus pensamentos nem sei
Vieram de estrelas tristes
Invento o que não existe
Para enganar minha alma

Invento a morte sem ossos
Escrevo auroras em lápides
Pastoro as águas da tarde
Para tecer mais um dia

Em minha roca sombria
Costuro uma blusa eterna
Colchas claras de lanterna
Para tecer mais um dia

Vou além da alta noite
Além das cruzes em quadras
Ausências extraviadas
Meu verso em ti amanhece.

VIOLONCELOS DA FLORESTA

Violoncelos da floresta
Tocam para o vazio
Sentados sobre as madeiras
De costas para o sombrio
Quem os aplaude: ninguém
O som que jamais se escuta
Ora tocam para o nada
Ora tocam para o nunca.

quarta-feira, 13 de maio de 2009


foto Assis Melo

LAMPADÁRIO

Minha mãe anda distante
meu pai a leva nos braços
avisto lençóis no espaço
os avós já vão mais longe

viajam todos num barco
levados por um ciclone
transitam vias sem nome
que desembocam no frio

onde estarão os antigos
antepassados , os tios,
as asas do irmão sombrio
tudo é poeira e palavra

haverá além do nada
um povoado abstrato?
já não me bastam retratos
se não me cabe o silêncio.

domingo, 3 de maio de 2009


DA NATUREZA

Para e escuta o som dos edifícios
que na calada hermértica da noite

crescem sem gritos sem alardes trágicos
mas desvagar avançam nos vazios

não como crescem os vegetais marinhos
nem as aéreas formas naturais

estas não crescem mais, nem arremessam
a circunspecta flor dos arvoredos

mira contudo a mínima riqueza
a que nos sobra entre os beirais do mundo

depois então contempla o céu de chumbo
que estremece e cospe natureza

atenta para os muros decididos
que sobem hirtos na precisão urgente

atenta para a vida simplesmente
encontrarás partidos os caminhos

encontrarás desfeitos os recantos
e diluídas todas as certezas

não acharás palavra para o espanto
tampouco o verbo fácil da beleza

contudo a concretagem fria
quer ser a absoluta engenharia

que a humanidade ávida engendra
em perfurar os tetos do planeta

como se fossem todas baionetas
as construções agudas e idênticas

qual avidez ascética e nociva
- imensidão de pedras sucessivas

a conclusão dos ciclos predatórios
virá então como virão as páginas

das profecias tensas inspiradas
- pois sobre o nada restará o mundo.

sexta-feira, 17 de abril de 2009


O RELINCHO

Ele relincha em madrugadas como um violoncelo verde
e voa sobre os alqueires perdidos do seu sonho

relincha como o fogo que incendeia bíblias
áridas cantigas de fundos de desertos

e chamará decerto as suas éguas nuas
que plenas de desejo galopam sobre a Lua

imaginando o santo azul adão e apolíneo
estrelo equino de sete patas mágicas

relincha trágicas histórias de amantes
enquanto o mal do amor se alastra esvoaçante

e atinge a calmaria dos céus inalternados
cavalos falos movimentando o mundo.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009


O MEU ESTRANHO AMOR

Um espectro que passa enquanto chora
Por minha ausência ele se consome

E quando chega vem como quem some
E bate as asas universo afora

É o meu estranho amor que longe mora
E dorme no altar da cabeceira

Quando me ama arde sem fogueira
Para partir na arca da memória

Foge com o sol e leva nossa estória
Tão docemente me acena uma vertigem

Sequencia de montanhas impossíveis
Escarpas adversas giratórias

Quando ele chega o mundo é uma sala acesa
O seu sorriso ofusca a cena da aurora

Não tarda ele se cala e vai embora
Para morar na plácida tristeza.
ESCULTURA

Esculpe-me o mundo
Esculpe-me
Como se
A uma pedra
Cada vez
Mais ponta
E fria
Cada vez
Mais lança
E funda

Aponta-me o mundo
Aponta-me
Como se
A um lápis
Fino
Cada vez
Mais cego
E cínico
Como
A escrita
De um sangue

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

TEMPO

Diante de mim
Os relógios disparam
Seus picos velozes

O mês é uma nuvem
que inunda meu corpo
Em rápidas luas

As ruas viajam
Em pássaros súbitos
De asas ventadas

Perseguem-me estradas
Atrás de meus passos
Que saltam à frente

Atrás vem o mundo
Seus mapas pintados
Trocando de luzes

Pedaços de corpos
Apressam-me em pernas
De longas passadas

Janelas expressas
Assistem caladas
Com os braços pousados

E enquanto disparo
Na fuga incorpórea
Ao rumo do nada

Eu vejo meu outro
Deitado na relva
Das rochas cansadas.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009


PONTOS CARDEAIS

A onda desfaz-se em rios
Desordens da imensidão
Por que me trai coração
A confundir meu caminho?

Se a leste sou claridade
Loquaz jardim de planície
A oeste serei mais triste
Na curvatura da tarde

O sul de invernos lunares
Me quer sob seus tentáculos
Afaga-me em seu casaco
Ascende uma tempestade

Norte, sigo a jovem estrela
Às margens do rastro escuro
Tudo é silêncio. Futuro.
Avisto uma cruz acesa.