Venho ao cais esperar navios Sucedem-se as altas vagas Aceno sinais de estio Às vesperas adiadas
Te aguardo e quando te espreito Arrastam-se os segundos O vento esticou o mundo Nos cárceres dos estaleiro
Passam veios, horas largas Nenhum sinal de teu fardo Busco-te a cada entrada O que me passas - passado.
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
O BEIJO
Levou-me sem feitas frases
Somente passo e camisa
Roubou-me um beijo de brisa
Na quadratura da tarde
Jogou-me contra a parede
Rasgou-me a blusa de linho
Roubou-me um beijo de vinho
Diante das aves vesgas
Puxou-me para seu fundo
Rompeu a rosa pirâmide
Roubou-me um beijo de sangue
E bateu asas no mundo.
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
Sátiro cavalo antigo
Sigo contigo
A dor das águas
Leva-me à estrada
Das mães de Luca
O mundo chora
Por minha culpa
Matei um rio
De imensas mágoas
Lancei palavras
Contra princípios
A flor do risco
Plantei nas casas
De madrugada
De bala em bala.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
LIVRO DOS SERES
LUZ
Se a luz de uma estrela morta só agora nos responde porque não somos a luz de um tempo de não sei onde?
Que mundo é esse o real que temos à nossa frente seríamos o passado que retorna simplesmente?
Ou então só a lembrança engano, repetição...
estaríamos sonhando ou seríamos ilusão?
domingo, 4 de outubro de 2009
AMARES
Dize-me. Toca pra mim Quando sonhares Canta E chora Teus trovares
Fala-me. Vem pra mim Quando me olhares Vem E fala Teus chorares
Pede-me. Voa pra mim Quando me amares Voa E abre Teus pomares.
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
foto Assis Melo
DICIONÁRIO DA LÍNGUA BELA
- I -
Estrelas de azul vertigem Nada me dizem falam de si Maior abismo cava-se aqui
- II -
Amor amor Viestes vazio Nada me luz Nada me cio Já não me entregas teu rio
Ontem selvagem hoje sombrio O que me trazes Jornal da tarde Secas folhagens - horas de estio. - III -
Das rochas escuto rimas Deixo que passem pássaros As palavras as vertigens Não me aproprio ainda Do seu imprevisto canto Escalo a página em branco.
- IV -
O que será a noite noite cheia Céu que incendeia e nada clara Nada me fala se não senões Astros borrões rostos distantes Quasar pulsante - de nada sei.
terça-feira, 28 de julho de 2009
foto Assis Mello
Dê-me a palavra que invento um bosque
Pleno de repousos e grandes baobás
Sopre-me o verbo que verso o mote
Viagem sem norte vento de além mar.
terça-feira, 14 de julho de 2009
foto Assis Melo
O SILÊNCIO DO AMOR
Tenho em mim muitas palavras que não me dissestes ainda Porquanto espero em vida as frases por ti guardadas
São sílabas sussurradas de páginas esperadas Pois que se invento enrêdos é porque não me dizes nada
E foi enquanto me amavas a caravela piava E uma aurora cantava versões de vozes ventadas
E outras mais que escutava os surdos da madrugada Só tu não dizias nada e nada me perguntavas
Na hora em que me beijavas teus olhos por onde andavam? Teus pensamentos e sonhos em que verões viajavam?
Se amou sem qualquer palavra é porque em mim não morava Mas em furtivas ilhargas, deserto de sualavra.
quinta-feira, 2 de julho de 2009
foto Assis Melo
IMAGINO
Imagino línguas de cães em meu vestido Tocas meu corpo como se quebrasse um vidro Lençóis da noite são as águas quentes Que provocas com um beijo simplesmente
Imagino sombras secretas sobre um muro Quando me abraças contra o portão escuro A rara alfombra nos cobre de inverno E eis que alcanço a glória do inferno.
segunda-feira, 22 de junho de 2009
NOITE MAGA
Andei contigo nas dunas Nas páginas das areias Pensei avistar sereias Mas eram sóbrias escunas
E ao perguntar quem eras O mar moveu seus navios Olharam-me as éguas no cio Voaram fêmeas sem sela
Enquanto me assombravas Os sais trocavam segredos Abraçava-me com medo Torpor, o que me falavas
Então comecei morrer Por tua mão de veludo Que me levava entre surdos No tênue amanhecer
Desmanches de beijo e vício Aroma de folha e chuva Teu sorriso atrás da curva Na ponta do precipício
Longe vai a noite maga Em seu palácio estranho Não te decifro és sonho A povoar minhas águas.
sábado, 6 de junho de 2009
PROSA CANORA foto Assis Melo
Meus pensamentos nem sei Vieram de estrelas tristes Invento o que não existe Para enganar minha alma
Invento a morte sem ossos Escrevo auroras em lápides Pastoro as águas da tarde Para tecer mais um dia
Em minha roca sombria Costuro uma blusa eterna Colchas claras de lanterna Para tecer mais um dia
Vou além da alta noite Além das cruzes em quadras Ausências extraviadas Meu verso em ti amanhece.
VIOLONCELOS DA FLORESTA
Violoncelos da floresta Tocam para o vazio Sentados sobre as madeiras De costas para o sombrio Quem os aplaude: ninguém O som que jamais se escuta Ora tocam para o nada Ora tocam para o nunca.
quarta-feira, 13 de maio de 2009
foto Assis Melo
LAMPADÁRIO
Minha mãe anda distante meu pai a leva nos braços avisto lençóis no espaço os avós já vão mais longe
viajam todos num barco levados por um ciclone transitam vias sem nome que desembocam no frio
onde estarão os antigos antepassados , os tios, as asas do irmão sombrio tudo é poeira e palavra
haverá além do nada um povoado abstrato? já não me bastam retratos se não me cabe o silêncio.
domingo, 3 de maio de 2009
DA NATUREZA
Para e escuta o som dos edifícios que na calada hermértica da noite
crescem sem gritos sem alardes trágicos mas desvagar avançam nos vazios
não como crescem os vegetais marinhos nem as aéreas formas naturais
estas não crescem mais, nem arremessam a circunspecta flor dos arvoredos
mira contudo a mínima riqueza a que nos sobra entre os beirais do mundo
depois então contempla o céu de chumbo que estremece e cospe natureza
atenta para os muros decididos que sobem hirtos na precisão urgente
atenta para a vida simplesmente encontrarás partidos os caminhos
encontrarás desfeitos os recantos e diluídas todas as certezas
não acharás palavra para o espanto tampouco o verbo fácil da beleza
contudo a concretagem fria quer ser a absoluta engenharia
que a humanidade ávida engendra em perfurar os tetos do planeta
como se fossem todas baionetas as construções agudas e idênticas
qual avidez ascética e nociva - imensidão de pedras sucessivas
a conclusão dos ciclos predatórios virá então como virão as páginas
das profecias tensas inspiradas - pois sobre o nada restará o mundo.
sexta-feira, 17 de abril de 2009
O RELINCHO
Ele relincha em madrugadas como um violoncelo verde e voa sobre os alqueires perdidos do seu sonho
relincha como o fogo que incendeia bíblias áridas cantigas de fundos de desertos
e chamará decerto as suas éguas nuas que plenas de desejo galopam sobre a Lua
imaginando o santo azul adão e apolíneo estrelo equino de sete patas mágicas
relincha trágicas histórias de amantes enquanto o mal do amor se alastra esvoaçante
e atinge a calmaria dos céus inalternados cavalos falos movimentando o mundo.
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
O MEU ESTRANHO AMOR
Um espectro que passa enquanto chora Por minha ausência ele se consome
E quando chega vem como quem some E bate as asas universo afora
É o meu estranho amor que longe mora E dorme no altar da cabeceira
Quando me ama arde sem fogueira Para partir na arca da memória
Foge com o sol e leva nossa estória Tão docemente me acena uma vertigem
Sequencia de montanhas impossíveis Escarpas adversas giratórias
Quando ele chega o mundo é uma sala acesa O seu sorriso ofusca a cena da aurora
Não tarda ele se cala e vai embora Para morar na plácida tristeza.
ESCULTURA
Esculpe-me o mundo Esculpe-me Como se A uma pedra Cada vez Mais ponta E fria Cada vez Mais lança E funda
Aponta-me o mundo Aponta-me Como se A um lápis Fino Cada vez Mais cego E cínico Como A escrita De um sangue
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
TEMPO
Diante de mim Os relógios disparam Seus picos velozes
O mês é uma nuvem que inunda meu corpo Em rápidas luas
As ruas viajam Em pássaros súbitos De asas ventadas
Perseguem-me estradas Atrás de meus passos Que saltam à frente
Atrás vem o mundo Seus mapas pintados Trocando de luzes
Pedaços de corpos Apressam-me em pernas De longas passadas
Janelas expressas Assistem caladas Com os braços pousados
E enquanto disparo Na fuga incorpórea Ao rumo do nada
Eu vejo meu outro Deitado na relva Das rochas cansadas.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
PONTOS CARDEAIS
A onda desfaz-se em rios Desordens da imensidão Por que me trai coração A confundir meu caminho?
Se a leste sou claridade Loquaz jardim de planície A oeste serei mais triste Na curvatura da tarde
O sul de invernos lunares Me quer sob seus tentáculos Afaga-me em seu casaco Ascende uma tempestade
Norte, sigo a jovem estrela Às margens do rastro escuro Tudo é silêncio. Futuro. Avisto uma cruz acesa.
*Geração Estrela- Rio de Janeiro, Ed Paz e Terra 1975 (orelha Moacyr Félix) *Flor do Milênio – Rio de Janeiro, Ed Civilização Brasileira, 1981. (prefácio Moacyr Félix) *Canções de Acender a Noite – Rio de Janeiro, Ed Civilização Brasileira, 1982. (Prefácio João Paes Loureiro) *AEquação da Noite – Rio de Janeiro, Ed Philobiblion, 1985. (Prefácio Pedro Lyra) *Ponto Zero – Rio de Janeiro, Ed Globo, 1987. (Prefácio Antônio Houaiss e posfácio Olga Savary) *O Inventor de Enigmas – Rio de Janeiro, Ed José Olympio, 1989. (Prefácio Ivan Junqueira) *Invenção para uma Velha Musa – Rio de Janeiro, Ed José Olympio, 1990. (Prefácio Nelson Werneck Sodré) *Teatro dos Elementos & Outros Poemas – Rio de Janeiro, Ed 7Letras, 1993. ( Prefácio Rachel de Queiroz) *Cantares de Amor e Abismo – Rio de Janeiro, Ed 7Letras, 1995. (Prefácio Carlos Emílio Corrêa Lima) *Poesia Reunida – Rio de Janeiro, Ediouro, 2002. (Organização Sérgio Fonta) *Lampadário – Rio de Janeiro, Ed. 7Letras, 2008 (pref. Alexei Bueno)
ROMANCE
*O Insólito Festim – Rio de Janeiro, Ed Nova Fronteira, 1994. (Prefácio Rachel de Queiroz) *O Violoncelo Verde – Rio de Janeiro, Ed Civilização Brasileira, 1997. (Prefácio Sérgio Viotti) *Memórias da Montanha – Rio de Janeiro, Ediouro, 2006.
PRÊMIOS
**Prêmio Guararapes de Poesia, União Brasileira de Escritores, 1987 **Prêmio União Brasileira de Escritores- melhor autor jovem, 1988 **Prêmio Nacional de Literatura do PEN Club do Brasil, poesia (Prêmio Luiza Claudio de Souza), 1990 **Prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte),1990 **Prêmio Olavo Bilac, poesia, Academia Brasileira de Letras – ABL, 1991 **Prêmio José Marti de Literatura, Conjunto de Obra, Casa Cuba- Brasil, 1995 **Prêmio Nacional de Literatura do PEN Club do Brasil, romance (Prêmio Luiza Claudio de Souza), 1995 **Prêmio Alejandro José Cabassa, romance, União Brasileira de Escritores, 1995 **Prêmio Yeda Schmaltz, UBE, poesia, 2002 **Prêmio José Picanço Siqueira, Memória Romanceada, União Brasileira de Escritores, 2007 **Prêmio Cecília Meireles de Poesia, da União Brasileira de Escritores, 2008 **Prêmio ABL de Poesia 2009