quinta-feira, 2 de outubro de 2008

PREFÁCIO - Lampadário

PREFÁCIO




A estesia dos poemas de Lampadário _ e essa palavra, estesia, é aqui importante _ possui, como acontece com tudo que se refere à arte, a sua própria genealogia, essa rede sutil de afinidades eletivas, essa espécie de “ar de família” que nos permite classificar todas as expressões humanas em certas postulações fundamentais, às vezes antagônicas, comumente complementares. A poesia de Denise Emmer possui uma inegável raiz simbolista e é mais do que próxima daquilo que se resolveu chamar “poesia pura”, essa mesma poésie pure que teve no Simbolismo, diga-se de passagem, sua origem evidente. A palavra-título do livro, aliás, faz parte, sem dúvida, dos territórios semânticos que costumamos julgar simbolistas, o que, por outro lado, não tem a menor importância.

A expressividade oriunda diretamente da música verbal, o afastamento do anedótico, do narrativo, mesmo quando um tema é perceptível, dominam todo o livro. Esse fluxo da música dos versos e esse afastamento do discurso denotativo conduzem comumente a poesia neles baseada a um estado sui generis de consciência _ onde a participação do que está abaixo ou acima do pensamento racional aflora _ e que nos conduz muitas vezes quase ao âmago do fenômeno poético. A família estética de Denise Emmer é, portanto, na língua portuguesa, a que, com imemoriais origens nos Cancioneiros, parte do genial Camilo Pessanha, passa pelo Fernando Pessoa-ele mesmo, por um Mário de Sá-Carneiro e por um Cabral do Nascimento, chegando à nossa contemporaneidade em variados momentos da obra de Sophia de Mello Breyner ou de Eugénio de Andrade, a mesma família que, no Brasil, floresceu em Cruz e Sousa e atingiu seu apogeu, no século XX, na imensa obra de Cecília Meireles.

Uma das percepções centrais que, podemos dizer, deram origem aos poemas de Lampadário, é aquela implacável impressão de brevidade da vida que se impõe a todos os homens pensantes _ e com dobrada força aos artistas _ na passagem desse já recuado mezzo del camin di nostra vita que é a década dos quarenta anos. O poema que dá título livro, de uma perfeição notável, retoma, mantendo-se de todo pessoal, o tema do ubi sunt que nos vem dos gregos, atinge de forma inolvidável um François Villon, e chega até nós neste momento, nós “contemporâneos”, como o foram todos os homens que andaram sobre a terra, todos envolvidos nas inarredáveis interrogações que nos assaltam:

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Onde estarão os antigos
Antepassados, os tios,
As asas do irmão sombrio
Tudo é poeira e palavra

Haverá além do nada
Um povoado abstrato?
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